Cassação por fraude à cota de gênero em Manoel Urbano expõe uso instrumental de mulheres na política
Decisão da Justiça Eleitoral do Acre sinaliza endurecimento contra candidaturas fictícias e reforça papel do Judiciário no enfrentamento à exclusão política feminina

Em uma decisão emblemática e sintonizada com o esforço institucional de combater a desigualdade de gênero na política, a 3ª Zona Eleitoral do Acre — sediada em Sena Madureira — decretou a cassação da chapa proporcional do Partido Republicanos no município de Manoel Urbano, por fraude deliberada à cota de gênero nas eleições municipais de 2024. A sentença, proferida pelo juiz eleitoral Eder Jacoboski Viegas, reconheceu que mulheres foram utilizadas como candidatas fictícias para cumprir formalmente o percentual mínimo de 30% exigido por lei, mas sem efetiva participação na disputa.
Mais do que uma mera violação técnica, a fraude desnudou uma sofisticada estratégia de “camuflagem eleitoral”, marcada por um excesso deliberado de registros femininos — 57%, quando o mínimo legal era de 30% — com dois propósitos claros: afastar eventuais suspeitas de fraude pela aparência de zelo formal e prevenir a perda de vagas caso houvesse indeferimentos. O resultado, no entanto, foi o oposto: o Judiciário desvendou a armadilha.
As provas colhidas pelo Ministério Público Eleitoral foram contundentes: três candidatas movimentaram mais de R$ 23 mil em recursos públicos, mas não realizaram campanha efetiva, obtendo votações pífias, comportamento típico de candidaturas fantasmas. O caso foi enquadrado nos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pela Súmula 73, cuja aplicação foi reforçada com elementos da perspectiva de gênero prevista nos protocolos de julgamento adotados pelo Judiciário Eleitoral.
“A cota de gênero não pode ser tratada como um requisito burocrático. Quando utilizada como fachada para perpetuar a exclusão das mulheres, converte-se em instrumento de violência política e precisa ser enfrentada com firmeza”, destacou o magistrado na sentença.
Além da cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) e dos diplomas de todos os candidatos da chapa, a Justiça Eleitoral declarou inelegíveis, pelo prazo de oito anos, as três mulheres utilizadas na fraude — medida que sinaliza um avanço na responsabilização individual e coletiva dos envolvidos.
A decisão chama atenção por ir além da contabilidade formal das candidaturas. Conforme reforça o texto da sentença, o combate à fraude não se esgota na aferição de percentuais, mas exige uma leitura da realidade social, política e histórica das relações de gênero. Situações como ausência de campanha, votação irrisória, prestação de contas padronizada e devolução de recursos públicos são indícios relevantes de que a candidatura serviu apenas como peça decorativa no processo eleitoral.
O caso de Manoel Urbano é sintomático de uma prática disseminada no país: o uso de mulheres como ferramentas para legitimar, no papel, estruturas eleitorais dominadas por homens. Trata-se de uma violência política institucionalizada, que fragiliza o sistema democrático e aprofunda a exclusão feminina do espaço de poder.
A omissão diante dessas fraudes não é neutra. Ela perpetua a impunidade, naturaliza a instrumentalização de mulheres e reforça relações de dominação internas aos partidos políticos. Como lembra a sentença, “julgar com perspectiva de gênero é reconhecer que as candidaturas fictícias não promovem igualdade, mas disfarçam a exclusão”.
Nos últimos anos, o Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC) tem adotado medidas concretas para ampliar a participação das mulheres e combater a violência política de gênero. A criação da Ouvidoria da Mulher, as campanhas educativas e a realização de seminários internos são parte de uma agenda institucional voltada à equidade. A sentença da 3ª Zona Eleitoral soma-se a esse esforço.
“Se a política segue sendo um campo hostil para as mulheres, cabe à Justiça Eleitoral ser o contrapeso dessa realidade, rompendo o ciclo de silenciamento, responsabilizando os infratores e reafirmando a promessa constitucional de igualdade. Manoel Urbano, ao menos neste caso, não foi um ponto fora da curva — foi o início de um giro”, enfatizou o Juiz Eleitor, Eder Viegas.
Como identificar fraude à cota de gênero segundo a jurisprudência do TSE e da 3ª Zona Eleitoral do Acre
- Excesso deliberado de candidaturas femininas acima de 30%
- Candidaturas femininas com votação irrisória ou zero
- Ausência total de atos de campanha (comícios, santinhos, redes sociais etc.)
- Prestação de contas padronizada ou com devolução integral de recursos públicos
- Vínculos familiares com candidatos homens da mesma chapa
- Registro seguido de renúncia ou substituição estratégica
TRE-AC reforça compromisso institucional com equidade
A decisão vem na esteira de uma série de medidas adotadas peloTribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC) para promover a participação política das mulheres. Dentre elas, destacam-se:
- A criação da Ouvidoria da Mulher;
- A promoção de campanhas educativas sobre violência política de gênero;
- A realização de eventos formativos internos para magistrados, servidores e representantes de partidos.
O caso de Manoel Urbano lança luz sobre uma prática ainda comum em muitos municípios brasileiros: a inscrição de mulheres como candidatas “laranjas” com o único propósito de cumprir formalidades legais. A sentença reforça o papel da Justiça Eleitoral como garantidora da integridade do processo democrático e da inclusão substancial das mulheres na política.